A CF/88 garante em seu art. 5o. os denominados direitos fundamentais, dentre eles, com destaque, aqueles que dizem com a proteção à saúde e a garantia da liberdade religiosa.
Elevou-se ao STF a discussão dessa aparente dicotomia entre a saúde e a religiosidade em decorrência de decreto estadual (SP) que pretende restringir a liberdade de culto, a partir da orientação do próprio STF que reconheceu competências materiais concorrentes entre a União, Estados, Municípios e o Distrito Federal para enfrentar a pandemia mundial do novo coronavírus.
A questão que se coloca nessa reflexão diz com a possibilidade de decretos estaduais ou municipais restringirem direitos fundamentais, cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988.
Na conformidade da hierarquia das normas a resposta evidentemente que é negativa, como é fácil compreender. Norma menor, como cediço, não pode afrontar a superior, como são as constitucionais. E muito menos suspender direitos fundamentais!
Entretanto, o Min. Relator, Gilmar MENDES, na esteira das decisões restritivas das liberdades, onde tudo se justifica para o combate da pandemia, sustenta que a religiosidade, o direito ao exercício pleno da fé, em templos, debalde possa, por LEI, sofrer mitigação por meio de protocolos de controle sanitário (limitação do número de pessoas; distanciamento mínimo; uso de máscara; álcool gel; aferição de temperatura etc.), pode, também, ser proibido por meros decretos estaduais ou municipais.
De outro lado, idênticos controles sanitários sugeridos em decisão sobre o mesmo tema, pelo Min. Nunes MARQUES, se aplicam a setores da economia, ditos essenciais, como o ingresso em Bancos, Supermercados, açougues etc., porque o ser humano precisa de alimento para a carne, para a sobrevivência, mas, ao que parece, não precisa de alimento para a alma, na interpretação soberana do STF, por seu Min. Gilmar MENDES.
A reunião de pessoas, em cultos, garantia constitucional inatacável, pode sofrer regulação, em face do direito concorrente à vida, por Lei, mas não pode ser modulado ou restringido pelo STF, sob pena de dizer a interpretação do direito mais do que a própria Constituição da República. Há, na reunião da fé, importante e transcendental força da congregação, que não pode ser impedida pela Justiça dos homens.
Infelizmente, no entanto, sequer podemos dizer “…perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” (Lc 23, 34)”, para dizer, sim, livrai-nos do mau, amém.
Aderbal da Cunha Bergo é advogado, professor de Direito Civil e ex-presidente da OAB/Campinas