Os reflexos da pandemia na saúde mental trazem desdobramentos importantes que vêm sendo apontados em diversos estudos no país e no mundo. Uma pesquisa recente divulgada pela Fiocruz revela que 34% dos fumantes brasileiros aumentaram a quantidade de cigarros consumidos neste período.
Segundo o pneumologista da rede de hospitais São Camilo de São Paulo Dr. Celso Padovesi, o cenário preocupa devido a vários aspectos da saúde geral. “Além de todos os riscos que o cigarro traz para a saúde física, sendo um fator agravante para inúmeras doenças, incluindo a Covid-19, o aumento de seu uso tem relação direta com o comprometimento da saúde mental dos fumantes.”
O estudo indica ainda que os tabagistas entrevistados também apresentam deterioração da qualidade do sono e alegam ter agravados os sintomas de tristeza, irritação e sentimento de solidão.
A cirurgiã de cabeça e pescoço do hospital Dra. Beatriz Cavalheiro destaca que o conjunto de condições que afetam a qualidade de vida do indivíduo interfere diretamente no processo de largar o hábito de fumar, criando uma bola de neve.
“A nicotina é altamente viciante e, quando associamos a intensificação deste hábito ao aumento do estresse e ansiedade, pode-se potencializar o risco de doenças graves”, explica a especialista.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil conta com 22 milhões de fumantes. Estima-se, ainda, que mais de 157 mil pessoas morrem todos os anos por doenças associadas ao tabagismo.
“Pessoas que fumam ficam doentes com mais frequência em relação aos não fumantes, e o risco aumenta conforme a quantidade de cigarros e o tempo exposto ao vício”, ressalta a Dra. Beatriz, reforçando que o cigarro tem relação direta com o surgimento e o agravamento de diversos tipos de câncer.
Ela alerta que não é somente o câncer de pulmão que está diretamente associado à exposição ao cigarro. “Mais de 90% dos portadores dos cânceres de cavidade oral, incluindo a língua, garganta e esôfago são ou foram expostos ao tabagismo, com potencialização do risco de seu desenvolvimento à associação do consumo de bebidas alcóolicas em quantidades excessivas.”
A médica destaca ainda que, em geral, ao fumar, todo esse revestimento está exposto aos efeitos cancerígenos do tabaco, não sendo incomum o desenvolvimento de tumores em mais de uma região. Além disso, o tabagismo também eleva em três vezes o risco de desenvolvimento do câncer de bexiga.
O pneumologista, por sua vez, ainda destaca que o cigarro está associado também a diversas patologias como doenças cardiovasculares, osteoporose, catarata, úlceras do aparelho digestivo, impotência sexual, infertilidade e complicações na gravidez, além de problemas graves que afetam o sistema respiratório.
Ressalta, ainda, sua associação com o envelhecimento precoce da pele, o acometimento da saúde dos dentes, o surgimento de halitose (mau hálito), o espessamento das pregas vocais com consequente rouquidão e potencialização dos sintomas de refluxo gastroesofágico, entre outros.
Como parar de fumar?
A preocupação dos especialistas quanto à intensificação do tabagismo vai além da pandemia. “Pelo fato deste aumento estar associado a outros problemas que afetam a saúde mental da população fumante, há um risco de o hábito permanecer no futuro, desencorajando o fumante a reduzir ou a parar completamente”, afirmam os especialistas.
Embora difícil, parar de fumar é possível. E, segundo os médicos, são inúmeras as vantagens adquiridas ao longo do processo que podem atuar como importantes motivadores para largar o vício.
“O organismo se recupera de maneira surpreendente, em uma melhora progressiva que reduz as chances do adoecimento associado”, reitera a cirurgiã de cabeça e pescoço.
Os especialistas descrevem o que muda no corpo quando a pessoa fica longe do cigarro por:
1 dia: os brônquios começam a limpar todos os resíduos deixados pelo fumo nas vias respiratórias, permitindo que os pulmões comecem a funcionar melhor.
3 meses: a função pulmonar melhora em até 30% e também há benefícios para a circulação sanguínea.
1 ano: reduz pela metade o risco de desenvolver doenças cardíacas.
5 anos: o risco de morte por infarto cai consideravelmente e o risco de AVC diminui.
10 anos: diminuem os riscos de câncer de boca, garganta, esôfago, pâncreas, rins e bexiga.
15 anos: o risco de câncer de pulmão torna-se o mesmo das pessoas não fumantes.
O pneumologista explica também que o coração do ex-fumante pode ter melhora significativa de função com o avanço dos anos longe do cigarro. “Uma pessoa que deixou de fumar há 15 anos tem os mesmos riscos de sofrer um infarto do que aquelas que nunca fumaram.”
Dicas dos especialistas
Além de frisar os importantes benefícios conquistados a cada dia sem fumar, os médicos recomendam algumas medidas simples que podem ajudar o fumante a reduzir a quantidade de cigarros e, até mesmo, parar completamente. Confira:
Torne o momento de fumar menos confortável
Dr. Celso afirma que parte do vício é alimentado pela associação criada no momento do fumo. Por isso, a dica é escolher uma postura e local diferentes, evitando estar relaxado e confortável.
Faça pequenas mudanças na rotina
Segundo a Dra. Beatriz, novos hábitos podem construir uma relação mais saudável com o corpo, reduzindo a procura pelo vício do cigarro. “O fumante tem costumes rotineiros e tende a fumar sempre nos mesmos momentos do dia, nos mesmos lugares e da mesma forma”, destaca.
Assim, a dica da médica é inserir novas atividades na rotina, com ações que mudem o ritmo usual e ocupem a mente. Faça substituições e coloque metas, como exercícios físicos e a progressão desses, sempre sob orientação profissional. Cultive outros hábitos saudáveis, como o consumo moderado de álcool e a redução da ingestão de alimentos industrializados e multiprocessados.
“Todo o processo deve ser encarado como a adoção de um novo conjunto de hábitos, visando uma melhor qualidade de vida física e mental e com foco no longo prazo.”
Vá aos poucos
Embora a decisão de parar de fumar precise ser definitiva, os fumantes que tiveram aumento no número de cigarros podem enfrentar picos de ansiedade e estresse durante essa tentativa. A sugestão dos especialistas é criar um cronograma de redução de cigarros/dia, sempre seguindo as dicas anteriores para ajudar no processo.
Atrase o primeiro cigarro
Essa dica está relacionada à anterior e pode ser importante para reduzir a quantidade de cigarros. A ideia é adiar o primeiro cigarro do dia em uma hora progressivamente ao longo dos dias. “É importante que a pessoa estabeleça um prazo nesta etapa para que, ao final deste período, consiga parar por completo”, explica a cirurgiã.
Procure apoio multiprofissional
Além do acompanhamento médico, que é crucial principalmente para pessoas que fumam há muitos anos e encontram mais dificuldade no processo de parar, acionar outros recursos neste momento também é importante.
“O suporte psicológico e social, através de grupos de apoio, por exemplo, tem efeitos muito positivos na luta contra o vício e atuam, sobretudo, com atenção à saúde mental do paciente, fundamental para parar de fumar”, finaliza o pneumologista.