Pandemia dispara espera por transplante de córnea

A pandemia reduziu diversas cirurgias para dar espaço aos pacientes contaminados nos hospitais. Dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos) mostram que já no primeiro semestre do ano passado, diminuiu em 44% os transplantes de córnea no Brasil. Pior, o levantamento aponta aumento de 200% na fila de espera pelo transplante – passou de 5,9 mil inscritos, em junho do ano passado, para 17,5 mil, no final do primeiro semestre deste ano.

Segundo o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, presidente do Instituto Penido Burnier de Campinas, o enxerto também é realizado em hospitais especializados que não têm covidários ativos, mas o isolamento social, somado ao medo do vírus fez muitos pacientes falharem no tratamento das doenças oculares. “O transplante é o último recurso para tratar o ceratocone, que responde por 7 em cada 10 enxertos de córnea no país”, afirma o médico.  O índice é tão alto, explica, porque no início da doença os sintomas são visão embaçada e desfocada, como acontece no astigmatismo. A diferença do ceratocone, ressalta, é o enfraquecimento progressivo das fibras de colágeno da córnea, lente externa do olho que toma o formato de um cone. “Esta deformação faz a luz entrar distorcida nos olhos e resulta em visão desfocada”, afirma.

Fatores de risco, sintomas e diagnóstico

Queiroz Neto ressalta que o ceratocone atinge cerca de 100 mil brasileiros. É uma doença multifatorial que, geralmente, aparece na infância ou adolescência.  Pode estar relacionado à genética quando há casos na família, ser desencadeado por doenças alérgicas na pele ou vias respiratórias que, em 70% dos casos, causam coceira nos olhos, maior fator de risco do ceratocone.  Locais empoeirados e estiagem prolongada que ressecam a lágrima também funcionam como gatilhos. Um levantamento feito pelo médico com 315 portadores de ceratocone mostra que a incidência de olho seco nos portadores da doença é de 24%, contra 12% em toda população.

Os principais sintomas do ceratocone elencados pelo médico são:  troca frequente do grau dos óculos, visão de halos noturnos, aversão à luz do sol, maior fadiga visual e olhos frequentemente irritados.

O diagnóstico não pode ser feito por um exame oftalmológico de rotina sem a tomografia da córnea que avalia a espessura, face anterior e posterior da córnea. Isso porque, as principais características do ceratocone são o afinamento e a deformação da córnea.

Tratamentos

Inicialmente, a correção visual é feita com óculos, mas conforme a doença progride é necessário substitui por lente de contato rígida que aplana a córnea e permite melhor correção da visão.

O oftalmologista afirma que o único tratamento capaz de minimizar a progressão do ceratocone é o crosslinking. Trata-se de uma cirurgia ambulatorial em que o cirurgião aplica na córnea riboflavina, vitamina B2 associada à radiação ultravioleta. Esta associação reticula as fibras de colágeno e aumenta em até 3 vezes a resistência da córnea, visando evitar o transplante. O especialista destaca que nem todos podem passar pela cirurgia, é necessário ter, no mínimo, 400 micras de espessura na córnea.

“Nos casos avançados, as irregularidades na córnea podem tornar o uso da lente muito desconfortável”, pondera. Uma alternativa para escapar do transplante, é a substituição por lente escleral, cuja borda se apoiada na esclera, parte branca do olho, invés de ficar apoiada na borda da córnea.

Outra alternativa, de acordo com o médico, é o implante de anel intercoreano. A técnica consiste no implante de dois arcos que pode ser feito manualmente ou a laser. Leôncio explica que o dispositivo faz uma pressão sobre a córnea e diminui a alteração na curvatura, melhorando a adaptação às lentes de contato. Na maioria dos casos, a visão também melhora. “Sem estes tratamentos só resta o transplante e, depois da pandemia, a espera pela cirurgia pode demorar mais de um ano”, finaliza.